segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Mamãe, eu fui a Cuba e vi a vida lá

Um mês depois do regresso, e depois de já me ter passado a vontade de exterminar em massa taxistas e vendedores de charutos, creio que finalmente posso escrever sobre o país de Fidel Castro.
 Não pude escrever enquanto lá estive porque a internet custa seis dólares (mais corretamente seis CUCs – pesos convertíveis) à hora (e a ligação tem que ser feita através dos computadores deles – no meu caso, do hotel; internet sem fios é mais cara ainda).
 Se eu quisesse resumir Cuba numa palavra, essa seria “pobreza”. Mais do que quem nunca esteve num país do terceiro mundo pode imaginar. É preciso ir lá, e misturar-se com os cubanos – não ficar confinado num resort no Varadero – para uma pessoa ter o mínimo de noção do que se passa. Cuba é um país do terceiro mundo, e para quem como eu nunca tinha estado num país do terceiro mundo tal constitui um choque.
A maior falácia das descrições das viagens a Cuba da parte dos seus maiores críticos é que parecem esperar que Cuba não fosse um país do terceiro mundo, quando sempre o foi e sempre esteve rodeada de países que o foram. Quando comparada com esses países, em índices de desenvolvimento económico e humano, Cuba não se sai nada mal. A assistência médica e a boa educação não são um mito. Eu vi as escolas, as universidades, as urgências médicas em Havana abertas 24 horas por dia.
A diferença de Cuba para esses países outros países do terceiro mundo, ou emergentes, reside na ausência de uma classe média, que se traduz na total ausência de cubanos em atividades turísticas. No México ou no Brasil, para dar dois exemplos, existe uma classe média-alta que tem possibilidades de acompanhar os turistas em certos roteiros simples (nem que seja ir a uma discoteca). Mas no México 90 ou 95% da população não tem recursos para fazer os mesmos programas dos turistas (e no Brasil, antes do Lula, a mesma percentagem da população não teria, e ainda hoje uma grande percentagem não tem). A diferença é que, em Cuba, essa percentagem ronda os 100%. Cuba é portanto uma sociedade mais igualitária, e isso parece-me preferível. Matematicamente entre os 100% de Cuba e os 90 ou 95% de outros países do terceiro mundo não há grande diferença. Mas essa pequena diferença traduz-se numa grande diferença para o visitante, que em certas alturas em Cuba se vê totalmente rodeado de turistas, enquanto noutros países, mesmo do terceiro mundo, notaria uma presença mínima de nativos. Tal diferença ajudou a criar o mito, largamente difundido pela propaganda, de que em Cuba certos locais seriam proibidos aos cubanos e reservados aos turistas. Nada mais falso. Nenhum local é vedado à partida aos cubanos; se na prática é vedado, é porque eles não têm recursos para os frequentar (embora os museus e monumentos, por exemplo, sejam bem mais baratos para os cubanos que para os estrangeiros). Mas não é – eu pelo menos não vi nada que fosse – proibido.
A maior falácia das descrições de Cuba por parte dos seus apoiantes reside numa quase santificação do povo cubano. Como em tudo não se devem fazer generalizações apressadas. É verdade que não há roubos, mas há burlas. Há uma mendicidade disfarçada. Não vou dizer sequer que a metade das pessoas pede, mas a quantidade de pessoas nesta situação é maior que em qualquer outro país que eu conheça. Começam por nos perguntar as horas, e de seguida pedem-nos se lhes arranjamos um peso. Pedem ajuda, mas pedem sobretudo que façamos negócio com eles. E nesta forma são extremamente agressivos: entendem mesmo que temos que lhes comprar os charutos, ir dormir ao quarto da casa particular (legalizada) deles, apanhar o táxi deles. Chamam-nos, abordam-nos sem pedirem licença e não desistem enquanto estivermos à vista deles, mesmo que não lhes respondamos. Os taxistas, então, só nos largam se formos mal educados. Ao chegar a uma cidade das que visitei, tive literalmente de atropelar alguns com a minha mala de viagem para poder passar. Os cubanos entendem (bem) que os estrangeiros que os visitam têm mais dinheiro que eles. Uma boa parte dos cubanos, porém, faz tudo para lhes poder extorquir dinheiro. Também vi – a sério que vi – exemplos de dignidade e de solidariedade. Mas a dignidade e a simpatia generalizadas dos cubanos são um mito.
Finalmente: como já referi, procurei circular no meio do povo cubano, não me restringindo a locais para turistas. E posso garantir o seguinte. Numa ditadura, é de esperar que o povo viva assustado e com medo e Cuba, sendo uma ditadura (que o é – não o nego), não deveria ser uma exceção. Mas é. Em nenhum momento nenhum cubano me pareceu assustado ou com medo – digo-o com franqueza. A liberdade é um direito fundamental, mas não é o mais importante. Quando não sabemos como vamos sobreviver amanhã, nem nos preocupamos se somos livres ou não. E é assim que eu classifico o povo cubano – um povo tão pobre que nem se preocupa se é livre ou não. Um povo que não se pode preocupar com a sua liberdade, pois primeiro tem que se preocupar com a sua subsistência. E que não culpa o seu governo por isso, mas sim o embargo a que é sujeito. Conforme o afirmam vários autores (entre os quais diversos opositores ao regime) e eu concluo da minha experiência, aquele estúpido embargo é a maior garantia da longevidade do regime cubano.

16 comentários :

DOCTOR NO, NO, NO VIEGAS NO PLEASE- JUST SAY NO disse...

O brasil sempre teve uma classe média forte, mesmo sob getúlio vargas, nunca houve 95% de deserdados e de cangaceiros, de resto os miseráveis que emigraram de Portugal nos últimos 150 anos e que engordaram bastante bem, são prova disso.
E mete italiano, japonês e alemão nisso.

DOCTOR NO, NO, NO VIEGAS NO PLEASE- JUST SAY NO disse...

Quanto às urgências 24 horas por dia, mesmo em Angola em 1990 e tal, os médicos cubanos no meio do mato faziam turnos de 8 e 9 horas e salvavam tanta gente como os que as boucing betty e as OZM-3, OZM-4, ARW-28 e a grande OZM-72 matavam.
Aí e em muitos países cheios de famintos, os 7 médicos cubanos por companhia, faziam maravilhas.
Agora numa ilha de 10 ou 12 milhões, também deve haver nas sierras maestras, muito sítio onde o médico da comuna ou da UCP não chega.
Aqui no burgo temos 6 cubanos muito bons, é pena que estejam todos no sector privado, só dão as 24 horas ao ADSE.
E o meu acabou 31 de Agosto.
A dignidade e a simpatia de todos os povos é um mito.
É verdade que um copo nas trombas do Alberto joão em 38 anos, só prova que há povos com muito pouca dignidade.
Nem precisavas ir a Cuba pra isso pá.
Eu infelizmente também não vou.

Filipe Castro disse...

Concordo mais ou menos contigo. Com uma resslava: depois de ler o livro do Ignacio Ramonet o Fidel dá-me vómitos. Mas embora só tenha estado em Cuba há 25 anos, antes da pobreza abjecta que o colapso da URSS causou, também não senti medo da polícia. Disseram-me que havia perseguições miseráveis (imagino que fossem mais ou menos como o tratamento que eu recebi aí em Portugal) e despedimentos políticos, como em Poertugal. Na altura o Fidel estava a meter a comunidade gay em campos de concentração e a propaganda política nas escolas era pior que aqui no Texas. Mas discutia-se política na rua, as pessoas insultavam os "chibos" dos comités revolucionários abertamente e vi uns miúdos com canas de pesca - numa zona onde não se podia pescar - a tourearem dois polícias, literalmente. Mas acho que depois do colapso da URSS, quando o Fidel teve hipóteses de liberalizar Cuba, a teimosia que demosntrou foi de uma estupidez animal. Agora o Raul só está à esepra que ele morra para privatizar tudo e entregar o país à mafia da Florida, que controla o tráfico de drogas em metade dos EUA.

Maquiavel disse...

Quando lá estive näo era assim, ou entäo fui eu que tive muita sorte. No hotel tudo incluído de Varadero onde ficámos, mais de metade dos hóspedes eram cubanos. "De Miami?" perguntei eu. "No, de aqui mismo". O Hotel era de 3 estrelas (e chegaram), dos hóspedes conheci professores universitários. Se calhar em Cuba 5% ou mais também se podem dar ao luxo de uma vez por outra fazerem férias em Varadero. Enfim. Fora esses 3 dias na estância andei por Cuba nos locais fora dos persursos turísticos e senti a dignidade e a simpatia generalizadas. Se mudaram assim tanto em poucos anos, fico triste.

No cômputo geral, a mim só pediram "moedinha" uns 10% das pessoas. Näo, näo é brincadeira. Terei assim täo cara de cubano, com a breca? E claro que mais de metade dessas situaçöes foram em Havana. E sim, em Havana tive de me chatear com alguns que esperavam que eu fosse lá ao restaurante sugerido só porque me sorriam. Enfim, é o capitalismo, que eles ganham à comissäo!

Agora desculpa: "Quando não sabemos como vamos sobreviver amanhã, nem nos preocupamos se somos livres ou não." é verdade, mas agora já falas do Haiti, Rep. Dominicana, Jamaica? Em Cuba fome näo passam, e isso é inquestionável, e se convencerem do contrário mentem... para ver se lhes dá moedinha. Ias avisado. Näo têm é "tralha" (mas daí, nem os pobres desses outros países). Vais a qualquer país à volta de Cuba e aí, sim, tens povos tão faminto que nem se preocupa se são livres ou não, até vendem o seu voto em troca de moedinha...

Joana Lopes disse...

Excelente «post». Estive duas vezes em Cuba (1995 e 2002) e quase assinaria tudo o que escreve. Em 2002, essa «agressividade» para vender aos turistas sentia-se muito mais que em 1995.
Em comparação com vários outros países do 3º mundo em que já estive, a grande diferença é que, em Cuba, se vê pobreza por toda a parte mas não miséria.

Maquiavel disse...

Experimentei a assertividad deles, principalmente à saída do autocarro. Em Trinidad fomos rodeados por um enxame de senhoras, e era tipo um leiläo ao contrário, cada uma ia baixando o preço da outra, até uma dizer "9!" e aí eu disse "ehpá, näo... menos de 10 [€] näo pago pelo quarto, que me fico a sentir mal... quem disse 10?". Mas pronto, foram embora sem problemas.
Agressividade (e näo assertividade) foi mesmo em Havana. O sorriso do gajo mudou para berros, educada e firmemente expliquei-lhe que quem decide onde vou comer sou EU. E acabei por comer umas belas pizzas caseiras vendidas à janela (e clientes näo faltavam), e mais à frente um arroz de borrego também vendido à janela. E era mesmo borrego. E essas vendas eram legais, que as senhoras tinham os menus à porta.
Pois, eu ando sempre à coca destes sítios... näo admira que passasse por cubano! :D

Mas é isso mesmo, Joana, "pobreza por toda a parte mas não miséria".
E os miúdos todos a irem para a escola.

Banda in barbar disse...

Dislates do maquiavelisme JãBaskista, eu comi, eu fui de férias, eu gande buiça do b-log canhoto, não passo dum burguês de merda que nunca passou por merda nenhuma nas suas excursõezinhas na sua realidadezinha.

Claro que é fácil limitar o nº de comentadores, são todos uns pezinhos moles, com um ego muito inflado, ou com personalidade tão bidimensional que julgam que o b-log é mais forte do que o sms, ou o grito tuez les tous, morte às baratas tutsi...
Não há revoluções por b-log
Os b-loggers fogem todos à primeira pirilampada
Só o dos ciber cafés do Bahrein têm caído como moscas.
Os pobres são sempre xenotolerantes, excepto se o xeno tem guito suficiente para ficar com boca dupla.
E acabei por comer no cu mais uns dislates, disse maquia à vela...

Banda in barbar disse...

como o tratamento que eu recebi aí em Portugal)bolas pá atiraram-te dum helicóptero abaixo, como faziam com os bandidos armados da unita?

E ficaste parvo desde então, ou só pioraste depois?

e despedimentos políticos, como em Poertugal?
poertugal fica adonde?

cassolinhas disse...

Tive a oportunidade de ir a Cuba há 3 anos e poder misturar-me com os cubanos. Concordo com a maior parte do que foi dito. No entanto, vi como proibiam a entrada num bar de um hotel aos cubanos que nos acompanhavam. Só entraram porque o nosso grupo se recusou a entrar sem eles. Não sentiram medo, mas sim vergonha... Fui à praia com eles, mas não fomos para Varadero ou Cayo Coco, não, fomos para a praia "deles" (em frente da dos turistas). Um deles já tinha estado em Varadero: uma semana com a esposa como prémio do governo pelo reconhecimento dos projetos educativos que desenvolve. Medo, os jovens não o sentem, mas os adultos não conversavam livremente connosco, sempre à espreita... Internet, só nas lojas de comunicação (não ficámos em hotel) e para os estrangeiros: os cubanos nem podiam estar ao nosso lado...

Banda in barbar disse...

Assertevidad? sua...Ê só fui a férias em 1981 e nã foi a cuba

A cuba no alenteje fui nas outras férias em 1975

É bom que boçês com o RSI e a pensão de 200 eurros consigam ir a cuba e voltar

já os cubanos que iam de férias a angola, de graça gostavam tanto daquilo que até ficavam por lá...

um dos arquitetos do palácio do senhor ceausescu e professor em Bucareste também teve direito a férias na suiça, gabou tanto as virtudes do seu país à criadagem portuguesa na suisse que levou 4 mestres de obras e uns trolhas à pressão para um projecto educativo a 15 abaixo de zero
a suissa também era fria, mas ao menos as barracas tinham aquecimento
Internet,não havia telefone só nas lojas de comunicação dizia-se la posta...de pescada na Vlaicu Aurel (não ficámos em hotel pois tinham sido deitados abaixo para construir o palazzo) e os que eram mais finos eram para gente mais elucidada sobre as virtudes do neoneoneosocialismo
ficamos em barraca de madeira mesmo
eram quentinhas no verão e arrefeciam no inverno dizem que nas américas é ao contrário

é?
eu há 31 anos que nã bou de férias...
sei disse nã...

DOCTOR NO, NO, NO VIEGAS NO PLEASE- JUST SAY NO disse...

tens povos tão faminto?

bolas este maqquia à vela é angolano


adesculpa ó Eduardo dos Santos...

nã me metas na fogueira com os restantes meninos

mim nã sabe onde estão os bandido armado nã senhore mi capitan

e num presto pra comer tou muito magro e duro...

Maquia à vela comprou muita creancinha?

ou só come madeirenses por serem produtto nacional?
até vendem o seu .... em troca de moedinha...
este typo é um especialista em compras!!!!

Ricardo Alves disse...

Filipe,
o teu artigo é equilibrado e sincero.

Não conheço Cuba, mas como imagino que conheças o Brasil interrogo-me como comparas o Brasil com Cuba?

Ah, mas não penses que concordo quando escreves no último parágrafo que «A liberdade é um direito fundamental, mas não é o mais importante. Quando não sabemos como vamos sobreviver amanhã, nem nos preocupamos se somos livres ou não». O que diria um salazarista disto, hem?

Filipe Moura disse...

Obrigado a todos pelos comentários.

Cassolinhas, as lojas de comunicação também estão abertas aos cubanos, e a internet é mais barata para eles. Também vi cubanos nas praias de leste em Havana: viagens organizadas pelo governo.

Maquiavel e Joana: o cenário de não poder dar um passo sem aparecer alguém a perguntar-me "táxi, amigo?", o cenário de me ver rodeado somente por pessoas que todas elas, uma de cada vez, me perguntar "táxi, amigo?", e ser assim todo um passeio, por quilómetros, estar permanentemente a ouvir esta frase sem me poder ver livre dela, é pior do que muitos pesadelos. Mas é um cenário bem real.

Ricardo, a ideia principal do meu post é mesmo esta: o povo cubano é tão, mas tão pobre, que para eles não terem liberdade até é secundário. Foi essa a conclusão que eu tirei da minha experiência cubana. Se isso colide com as tuas convicções liberais, experimenta ir a Cuba.

Nunca tinha estado num país do terceiro mundo. Nunca estive no Brasil (talvez vá lá a uma conferência para o ano, pago pelos teus impostos, ó liberal - nessa altura talvez possa comparar). Estive na Argentina (também pago pelos teus impostos), e não tem comparação com Cuba (se bem que só estive em Buenos Aires e La Plata).

Ricardo Alves disse...

Pois. Conheces mais algum povo para o qual a liberdade seja um bem secundário? E achas que antes de 1974, em Portugal, a liberdade também era um bem secundário?

Filipe Moura disse...

"Conheces mais algum povo para o qual a liberdade seja um bem secundário?"

Não, Ricardo, não conheço. Justamente: não conheço povo tão pobre como o cubano.

Maquiavel disse...

Esse do "táxi, amigo?" näo se passou comigo, felizmente. Semelhante(mente irritante) passou-se foi na Tailândia com o raio dos tuk-tuks. E depois a ironia é que quando precisei de um... näo havia nenhum nas redondezas!

Comparando com o Nordeste do Brasil... haviam ricos muito ricos, mas os pobres eram täo pobres como os de Cuba, o que vi no Brasil de diferente foi muito menino de rua faminto e andrajoso a pedir dinheiro e cigarros... e que viviam em caixotes no parque em frente do Palácio do Governador em Maceió! :O